Francisco Rodrigues Lobo – Corte na Aldeia – Prefácio

“Ao Sr. D. Duarte, Marquês de Frechilha e de Malagam

Depois que faltou a Portugal a Corte dos Sereníssimos Reis, ascendentes de V. Excelência (da qual as nações estrangeiras tinham tão grande satisfação e as velhinhas tão igual inveja), retirados os títulos pelas vilas e lugares do Reino e os fidalgos e cortesãos por suas quintas e casais, vieram a fazer Corte nas Aldeias, renovando as saudades da passada com lembranças devida àquela dourada idade dos Portugueses; e até V. Excelência, que, na de Espanha, podia avantajar toda sua grandeza, escolheu para morada essa cidade de Évora, que já el-rei D. João, com o Infante D. Duarte, avó de V. Excelência, e os mais príncipes seus irmãos habitaram; cujos caídos muros e edifícios, desamparados paços e incultos jardins parece que, agradecidos à assistência e favores de V. Excelência, ressuscitam agora; e não somente os mosteiros antigos, a que faltava aquela grandeza que os enobrecia, se reedificaram à sua sombra, mas ainda, encostados ao amparo dela, se fabricaram outros de novo, com maior perfeição.

Com a mesma confiança busca a V. Excelência esta Corte na Aldeia, composta dos riscos e sombras que ficaram dos cortesãos antigos e tradições suas, para que V. Excelência a ampare como protector da língua e nação Portuguesa, honre como relíquia do sangue Real deste Reino e a acredite como espelho e exemplo da virtude e partes soberanas dos Príncipes passados. Aqui ofereço a V. Excelência uma conversação de amigos bem acostumados, umas noites de Inverno melhor gastadas que as que se passam em outros exercícios prejudiciais à vida e consciência; finalmente, uma Corte que, como bonina do mato, a que falta o cheiro e a brandura das dos jardins, ainda que na aparência e cores a queira contrafazer, é contudo diferente. Se os ditos destes aldeãos cheirarem a Corte, acreditarão o título do livro, e, se souberem ao monte, também nele se confessa por Corte de Aldeia; e com muito maior razão o será quando chegar à vista de V. Excelência, em que se podem reformar de polícia as que são na Espanha mais apuradas. V. Excelência a ampare com a sua humanidade, lembrando-se que, como não pode haver Corte sem Príncipe, que esta o não podia parecer sem que tivesse por si a V. Excelência, e que, como em noite de Inverno, ficara muito às escuras este livro sem a luz e graça que espera comunicar de sua clareza. E se alguém me julgar por atrevido em tratar de cousas de Corte nascendo em idade em que já a de Portugal era acabada, sabendo que na de V. Excelência fui muitas vezes favorecido de mercês suas, e honrado com elas na do Excelentíssimo Senhor Duque D. Teodósio, irmão de V. Excelência, não condenará minha ousadia com justa razão e achará algumas com que dê a estes Diálogos merecimento, que posto que lhes faltem muitos para serem ofertas dignas de tão grande Príncipe, nesse pouco que pode dar por fruto o meu engenho pago com a vontade o em que para outras obras faltaram a natureza, a arte e a ventura. E ante quem em tudo é tão grande, nada o pode parecer senão esta confiança, fundada na benignidade com que V. Excelência sempre autorizou minhas obras, que me assegura que assim aceitará agora este pequeno serviço, pois não é menor grandeza obrigar-se dos humildes que fazer a todos grandes mercês. Nosso Senhor guarde a V. Excelência muitos anos.”

De Leiria, o 1 de Dezembro de 1618.
FRANCISCO RODRIGUES LOBO

Francisco Rodrigues Lobo (Leiria, 1580 – 4/11/1620)
Poeta e prosador, considerado discípulo de Camões e o iniciador do Barroco em Portugal, licenciado em Direito.

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