“(…)
Sim, a terra tem o sangue à flor do rosto, não tanto pelo verde masculino dos almeirões e das leitugas, mas quem sabe se devido à sombra escarlate que as papoilas fazem na brandura dos caminhos.
O sangue de que vos falo poderá ser esse cortejo de sonhos de um rio abstracto que corre nos anos da nossa memória, e as águas do rio dão calor às plantas e matam a sede dos homens.
O Alentejo é sangue só por via de os horizontes do Verão serem pintados do intenso almagre que o Sol proporciona aos poetas para que tenham o seu quinhão de felicidade?
Não só por isso, companheiros.
É pródiga a nossa condição de mendigos das artes esquecidas: o amor ao silêncio, que é a arte da perplexidade dos corações condoídos: o tédio que apunhala os nervos de um pastor e o faz ser profeta dos elementos, pois sabe, só pela prenhez da ventania ou as faces mansas da Lua, quando vem aí a tempestade ou a manhã de madorna, e essa é a arte do instinto perante a paisagem; por último, a vagareza das falas e o sabor das melodias, o levantar dos punhos acerados a maldizer as ervas parasitas que sugam a seiva das vidas humildes, e essa será a arte pitoresca das folhas de um ambiente que cria tantos espantos na alma – arte por excelência. (…)”
SILVA, Antunes da, Alentejo É Sangue, Dedicatória
Antunes da Silva (Évora, 31/7/1921 – 1997)
Poeta, contista, cronista, participou em várias publicações, escreveu dois diários.
Deixe um comentário