Passei o Tejo à noitinha
e vi o Tejo calado,
trago um barco de papel
p’ró deitar no mar salgado.
Quando o barco se romper
deito no Tejo uma estrela
e a estrela branca lá fica
e nunca mais torno a vê-la…
Dizem os homens e mulheres
que nas águas deste Tejo
barra fora lá seguiram
camponeses do Alentejo
que nesse tempo sentiram
o que era a triste vida
feita de nada de nada
e por demais permitida…
Falam os homens mais velhos
que neste rio -ó desgraça! –
partiu barco e partiu povo
rumo a Timor e Mombaça
passando pelo mar alto
p’ró Bié e Tarrafal,
gente de boa presença
que nunca a ninguém fez mal!
Diziam os homens mais velhos
com espanto e em segredo,
que nas águas do rio Tejo
partiu gente p’ro degredo:
Timor, Bié, Tarrafal,
no tempo do salazar
as barcas seguiam cheias
a navegar, a navegar,
com homens em cativeiro,
Timor, Bié, Tarrafal,
e regressavam com ferro,
coco, amendoim e sisal…
Passo o Tejo à noitinha
e já ninguém me faz mal!
Antunes da Silva (Évora, 31/7/1921 – 1997)
Poeta, contista, cronista, participou em várias publicações, escreveu dois diários.
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