Ó quantos quanto mar fama ganharam
Coa boa pena, que outros com a espada!
Quanto mais ricas estátuas cá deixaram!
Quanto foi mais sentida, e mais chorada
A morte do alto Homero, por seu canto,
Que a tua, Aquiles, que ele fez honrada!
Pois com quanta razão m ‘eu mais espanto
Do que em ti vejo, tanto ver perdido
Sinto o que me assi move a mágoa, e espanto,
Mostraste-te tègora tão esquecido,
Meu Andrade, da terra, em que nasceste,
Como se nela não foras nascido.
Esses teus doces versos, com que ergueste
Teu claro nome tanto, e que inda erguer
Mais se verá, a estranha gente os deste.
Porque o com que podias nobrecer
Tua terra e tua língua lho roubaste,
Por, ires outra línqua enriquecer?
Cuida melhor que, quanto mais honraste
E em mais tiveste essa língua estrangeira,
Tanto a esta tua ingrato te mostraste.
Volve pois, volve, Andrade, da carreira,
Que errada levas (com tua paz o digo):
Alcançarás tua glória verdadeira.
Té quando contra nós. Contra ti imigo
Te mostrarás? Obrigue-te a razão,
Que eu, como posso, a tua sombra sigo.
As mesmas Musas mal te julgarão,
Serás em ódio a nós teus naturais,
Pois, cruel. nos roubas o que em ti nos dão.
Sejam à boa tenção obras iguais,
E a boa tenção e obra à pátria sirva:
Demos a quem nos deu, e devemos mais.
Floreça, fale, cante, ouça-se e viva
A Portuguesa língua! E já onde for
Senhora vá de si, soberba e altiva.
Se téqui esteve baixa e sem louvor,
Culpa é dos que a mal exercitaram:
Esquecimento nosso, e desamor.
Mas tu farás que os que a mal julgaram,
E inda as estranhas línguas mais desejam,
Confessem cedo ant’ela quanto erraram.
E os que despois de nós vierem, vejam
Quanto se trabalhou por seu proveito,
Por que eles pera os outros assi sejam.
Se me enganei, se tive mau respeito,
Andrade. tu o julga; mas espero
De te ser este meu desejo aceito.
E, enquanto mais não peço, isto só quero.
António Ferreira (Lisboa, 1528 – Lisboa, 29/11/1569)
Poeta, dramtaurgo e humanista, considerado o Horácio português, doutorado em Cânones.