“ Pois, o 25 de Abril veio e eu fiquei na mesma… depois de reflectir bem, achei que teria alguma em decidir se tinha sido realmente o Salazar que me tinha demitido ou se fui eu que me demiti a mim próprio (…)
Mas logo que o Mário Soares foi nomeado Primeiro-Ministro, apressou-se a mandar-me um recado onde dizia:
“– Diga-me a que horas é que está em casa, que eu quero visitá-lo!”
E eu pensei: “Não senhor. Não me visita, porque agora já não é meu aluno! Agora é o Primeiro-Ministro de Portugal e quem vai visitá-lo sou eu (…).”
Dias depois fui recebido e conversámos à vontade. A certa altura, o Mário Soares perguntou-me:
“ – Neste momento, o que é que está a fazer, está a trabalhar para alguma instituição?”
“ – Sim, estou ali na ICALP, a fazer uma pesquisa histórica…”
“ – Em relação ao seu afastamento do ensino, foi demitido? * Nunca o reintegraram?”
“ – Também nunca pedi isso…”
E ele disse:
“ – Bom, então vou pedir eu!”
“ – O senhor é o Primeiro-Ministro, portanto manda e faz como quiser.”
Ele redigiu de imediato o decreto, mas o Eanes vetou-o (…) dou-me bem com ele e com a mulher, só que ainda não tive ocasião para lhe dizer como fiquei agradecido por ele ter agido assim.”
* “(…) demitido por me recusar a assinar um papel onde tinha de jurar que não pertencia a nenhuma sociedade secreta. Claro que o que eles visavam era sobretudo a Maçonaria, que representava uma força que o regime temia.”
SILVA, Agostinho da, A Última Conversa , Entrevista de Luís Machado
Agostinho da Silva (Porto,13/2/1906 – Lisboa, 3/4/1994)
Filósofo, poeta, ensaísta, professor, licenciado em Filologia Clássica (1929), doutorado com louvor (1929), colaborador da Revista Seara Nova, fundador do Núcleo Pedagógico Antero de Quental (1939), cofundador de universidades no Brasil, criador de Centros de Estudos