Archive for Abril, 2023

Agostinho da Silva – [Pois, o 25 de Abril Veio…]
Abril 25, 2023

“ Pois, o 25 de Abril veio e eu fiquei na mesma… depois de reflectir bem, achei que teria alguma em decidir se tinha sido realmente o Salazar que me tinha demitido ou se fui eu que me demiti a mim próprio (…)

  Mas logo que o Mário Soares foi nomeado Primeiro-Ministro, apressou-se a mandar-me um recado onde dizia:

 “– Diga-me a que horas é que está em casa, que eu quero visitá-lo!”

E eu pensei: “Não senhor. Não me visita, porque agora já não é meu aluno! Agora é o Primeiro-Ministro de Portugal e quem vai visitá-lo sou eu (…).”

Dias depois fui recebido e conversámos à vontade. A certa altura, o Mário Soares perguntou-me:

“ – Neste momento, o que é que está a fazer, está a trabalhar para alguma instituição?”

“ – Sim, estou ali na ICALP, a fazer uma pesquisa histórica…”

“ – Em relação ao seu afastamento do ensino, foi demitido? * Nunca o reintegraram?”

“ – Também nunca pedi isso…”

E ele disse:

“ – Bom, então vou pedir eu!”

“ – O senhor é o Primeiro-Ministro, portanto manda e faz como quiser.”

 Ele redigiu de imediato o decreto, mas o Eanes vetou-o (…) dou-me bem com ele e com a mulher, só que ainda não tive ocasião para lhe dizer como fiquei agradecido por ele ter agido assim.”

* “(…) demitido por me recusar a assinar um papel onde tinha de jurar que não pertencia a nenhuma sociedade secreta. Claro que o que eles visavam era sobretudo a Maçonaria, que representava uma força que o regime temia.” 

SILVA, Agostinho da, A Última Conversa , Entrevista de Luís Machado

Agostinho da Silva (Porto,13/2/1906 – Lisboa, 3/4/1994)

Filósofo, poeta, ensaísta, professor, licenciado em Filologia Clássica (1929), doutorado com louvor (1929), colaborador da Revista Seara Nova, fundador do Núcleo Pedagógico Antero de Quental (1939), cofundador de universidades no Brasil, criador de Centros de Estudos

Sophia – Liberdade
Abril 25, 2023

Aqui nesta praia onde

Não há nenhum vestígio de impureza,

Aqui onde há somente

Ondas tombando ininterruptamente,

Puro espaço e lúcida unidade,

Aqui o tempo apaixonadamente

Encontra a própria liberdade.

Sophia de Mello Breyner Andresen (Porto, 06/11/1919 – Lisboa, 02/07/2004)
Poetisa, contista, autora de literatura infantil e tradutora, a 1.ª mulher portuguesa a receber o prémio Camões (1999)

Joaquim Pessoa – Canção da Minha Tristeza
Abril 19, 2023

Meu coração não está nas largas avenidas
nem repousa à tarde, para lá do rio.
Nada acontece. Nada. Nem, ao menos, tu
virás despentear os meus cabelos.

Nem, ao menos, tu, neste tempo de angústia
vens dizer o meu nome ou cobrir-me de beijos.
Ah, meu coração não está nas largas avenidas
nem repousa à tarde, para lá do rio.

A cidade enlouquece os meus olhos de pássaro.
Eu recuso as palavras. Sei o nome da chuva.
Quero amar-te, sim. Mas tu hoje não voltas.
Tu não virás, nunca mais, ó minha amiga.

Nada acontece. Nada. E eu procuro-te
por dentro da noite, com mãos de surpresa.
Meu coração não está nas largas avenidas
nem repousa à tarde, para lá do rio.

E tu, longe, longe. Onde estás meu amor,
que não vens despentear os meus cabelos?
Eu quero amar-te. Mas tu hoje não voltas.
Tu não virás, nunca mais, ó minha amiga.

PESSOA, Joaquim , in ‘Canções de Ex-Cravo e Malviver’

Joaquim Pessoa (Barreiro, 22/2/1948 – 2023/04/17)
Poeta, artista plástico, professor.

Frederico Lourenço – [Pensamento Infinito de Amor à Minha Avó]
Abril 11, 2023

“(…) não posso deixar de dirigir um pensamento de infinito amor à minha avó, cuja morte prematura acabou por se revelar abençoada, na medida em que a impediu de ver repetida na filha a tragédia da sua mãe.

Às vezes penso: o que terá acontecido a tanta roupa? E ainda hoje tenho pena de não me ter oferecido mais vezes para lhe bater as claras em castelo.”

LOURENÇO, Frederico, Amar não Acaba

Frederico Lourenço (Lisboa, 8/5/1963)
Romancista, contista, tradutor, professor universitário.