Archive for Abril, 2014

Vasco Graça Moura – O Acordo Ortográfico e a Perversão da Língua Portuguesa
Abril 27, 2014

Vasco Graça Moura

“Acordo Ortográfico significa a perversão intolerável da língua portuguesa. (…)

Uma pessoa pode deixar-se embalar por uma concepção tão poética quanto irrealista da pretensa unidade ortográfica (ontológica, mítica, sublimada…) da nossa língua; pode mesmo prestar tributo a um certo darwinismo, em que o facto de o Brasil ter 200 milhões de pessoas seria razão bastante para sacrificar a norma seguida por mais de 50 milhões de outros seres humanos…

Mas o que ninguém pode é passar em claro que o AO leva ao agravamento da divergência e à desmultiplicação das confusões entre as grafias e faz tábua rasa da própria noção de ortografia, ao admitir o caos das chamadas facultatividades. Sobre tudo isso existe, de há muito, abundante material crítico, com destaque para os estudos essenciais, demolidores e, note-se, não contrariados, de António Emiliano. (…)

O AO não está nem pode estar em vigor. A vigência de uma convenção internacional na nossa ordem interna depende, antes de mais, da sua entrada em vigor na ordem internacional. Terá o AO começado a vigorar no ordenamento internacional quando há Estados subscritores que ainda não o ratificaram, decorridos mais de 20 anos sobre a sua celebração? E esse mesmo facto não inviabilizará o próprio AO, por impossibilidade manifesta do fim que ele se propunha e que era o de alcançar uma “unidade” ortográfica aplicável a todos aqueles Estados? (…)

Uma outra ordem de questões prende-se com um pressuposto essencial. O art.º 2.º do AO exige que, antes da sua entrada em vigor, os Estados signatários tomem, através das instituições e órgãos competentes, as providências necessárias com vista à elaboração “de um vocabulário ortográfico comum da língua portuguesa, tão completo quanto desejável e tão normalizador quanto possível, no que se refere às terminologias científicas e técnicas”.

Esse vocabulário comum nunca existiu. Não há notícia de que esteja em vias de ser elaborado, nem de encontros de instituições ou órgãos competentes dos oito países de língua portuguesa para tal efeito.

Sendo assim, como é que se pode sustentar a vigência e aplicabilidade do AO?

Por último, está mais do que demonstrado o risco de a língua portuguesa, tal como a falam os mais de 50 milhões de pessoas que não seguem a norma brasileira, vir a ser muito desfigurada, na relação entre grafia e oralidade, em especial no tocante à pronúncia. Vários especialistas se têm referido a isto e, já em 1986 (…), nada menos de 20 (…) docentes da Universidade Clássica (Faculdade de Letras), sustentaram, entre outras críticas fortes e fundamentadas, que todas as alterações introduzidas num dado sistema gráfico deviam ser equacionadas também em função da relação entre o oral e o escrito, sendo “inaceitável que ajustes ou reformas linguísticas potenciem mudanças linguísticas em sentidos previsíveis ou imprevisíveis”.

Sendo assim, como é que se pode negar a violação dos artigos da Constituição que protegem a língua portuguesa não apenas como factor de identidade nacional mas também enquanto valor cultural em si mesmo, em especial os art.os 9, alíneas e) e f) e 78, alíneas c) e d)?  (…) ”

In DN Opinião, 27/7/2011

 

Vasco Graça Moura (Porto, 3/1/1942 – Lisboa, 27/04/2014)

Poeta, ficcionista, cronista, tradutor, licenciado em Direito.

 

Zeca Afonso – Quem Diz Que É Pela Rainha
Abril 25, 2014

Zeca Afonso

Quem diz que é pela rainha
Nem precisa de mais nada
Embora seja ladrão
Pode roubar à vontade
Todos lhe apertam a mão
É homem de sociedade

Acima da pobre gente
Subiu quem tem bons padrinhos
De colarinhos gomados
Perfumando os ministérios
É dono dos homens sérios
Ninguém lhe vai aos costados

 

José Afonso (Aveiro, 02/08/1929 – Setúbal, 23/02/1987)

Compositor e cantar, professor, licenciado em Ciências Histórico-Filosóficas.

 

 

Sérgio Godinho – Liberdade
Abril 25, 2014

Sérgio Godinho

Viemos com o peso do passado e da semente

esperar tantos anos torna tudo mais urgente

e a sede de uma espera só se ataca na torrente

e a sede de uma espera só se ataca na torrente

 

Vivemos tantos anos a falar pela calada

só se pode querer tudo quanto não se teve nada

só se quer a vida cheia quem teve vida parada

só se quer a vida cheia quem teve vida parada

 

Só há liberdade a sério quando houver

a paz o pão

habitação

saúde educação

só há liberdade a sério quando houver

liberdade de mudar e decidir

quando pertencer ao povo o que o povo produzir.

 

Sérgio Godinho (Porto, 31/8/1945)

Poeta, compositor e intérprete.

Natália Correia – Soneto de Abril
Abril 25, 2014

Natália Correia

Evoé! de pâmpano os soldados

rompem do tempo em que Evoé! a terra

salvé rainha descruzando os braços

com seu pé de papiro pisa a fera.

 

Na écloga dos rostos despontados

onde dos corvos se retira a treva,

de beijo em beijo as ruas são bailados

mudam-se as casas para a primavera.

 

Evoé! o povo abre o touril

e sai o Sol perfeitamente Abril

maravilha da Pátria ressurrecta.

 

Evoé! evoé! Tágides minhas

outras vez prateadas campainhas

sois na cabeça em fogo do poeta.

 

Natália Correia (Fajã de Baixo, S. Miguel, 13/9/1923 – Lisboa, 16/3/1993)

Poetisa, romancista, ensaísta, jornalista e dramaturga.

Ary dos Santos – As Portas Que Abril Abriu
Abril 25, 2014

Ary dos Santos

Era uma vez um país

onde entre o mar e a guerra

vivia o mais feliz

dos povos à beira-terra

 

Onde entre vinhas sobredos

vales socalcos searas

serras atalhos veredas

lezírias e praias claras

um povo se debruçava

como um vime de tristeza

sobre um rio onde mirava

a sua própria pobreza

 

Era uma vez um país

onde o pão era contado

onde quem tinha a raíz

tinha o fruto arrecadado

onde quem tinha o dinheiro

tinha o operário algemado

onde suava o ceifeiro

que dormia com o gado

onde tossia o mineiro

em Aljustrel ajustado

onde morria primeiro

quem nascia desgraçado

 

Era uma vez um país

de tal maneira explorado

pelos consórcios fabris

pelo mando acumulado

pelas ideias nazis

pelo dinhiero estragado

pelo dobrar da cerviz

pelo trabalho amarrado

que até hoje já se diz

que nos tempos dos passado

se chamava esse país

Portugal suicidado

 

Ali nas vinhas sobredos

vales socalcos searas

serras atalhos veredas

lezírias e praias claras

vivia um povo tão pobre

que partia para a guerra

para encher quem estava podre

de comer a sua terra

 

Um povo que era levado

para Angola nos porões

um povo que era tratado

como a arma dos patrões

um povo que era obrigado

a matar por suas mãos

sem saber que um bom soldado

nunca fere os seus irmãos

 

Ora passou-se porém

que dentro de um povo escravo

alguém que lhe queria bem

um dia plantou um cravo

 

Era a semente da esperança

feita de força e vontade

era ainda uma criança

mas já era a liberdade

 

Era já uma promessa

era a força da razão

do coração à cabeça

da cabeça ao coração

Quem o fez era soldado

homem novo capitão

mas tabém tinha a seu lado

muitos homens na prisão

 

Esses que tinham lutado

a defender um irmão

esses que tinham passado

o horror da solidão

esses que tinham jurado

sobre uma côdea de pão

ver o povo libertado

do terror da opressão

 

Não tinham armas é certo

mas tinham toda a razão

quando um homem morre perto

tem de haver distanciação

 

uma pistola guardada

nas dobras da sua opção

uma bala disparada

contra a sua própria mão

e uma força perseguida

que na escolha do mais forte

faz com a que a força da vida

seja maior do que a morte

 

Quem o fez era soldado

homem novo capitão

mas também tinha a seu lado

muitos homens na prisão

 

Posta a semente do cravo

começou a floração

do capitão ao soldado

do soldado ao capitão

 

Foi então que o povo armado

percebeu qual a razão

porque o povo despojado

lhe punha as armas na mão

 

Pois também ele humilhado

em sua própria grandeza

era soldado forçado

contra a pátria portuguesa

 

Era preso e exilado

e no seu próprio país

muitas vezes estrangulado

pelos generais senis

 

Capitão que não comanda

não pode ficar calado

é o povo que lhe manda

ser capitão revoltado

é o povo que lhe diz

que não ceda e não hesite

– pode nascer um país

do ventre duma chaimite

 

Porque a força bem empregue

contra a posição contrária

nunca oprime nem persegue

– é a força revolucionária!

 

Foi então que Abril abriu

as portas da claridade

e a nossa gente invadiu

a sua própria cidade

 

Disse a primeira palavra

na madrugada serena

um poeta que cantava

o povo é quem mais ordena

 

E então por vinhas sobredos

vales socalcos searas

serras atalhos veredas

lezírias e praias claras

desceram homens sem medo

marujos soldados “páras”

que não queriam o degredo

de um povo que se separa.

E chegaram à cidade

onde os monstros se acoitavam

era a hora da verdade

para as hienas que mandavam

a hora da claridade

para os sóis que despontavam

e a hora da vontade

para os homens que lutavam

 

Em idas vindas esperas

encontros esquinas e praças

não se pouparam as feras

arrancaram-se as mordaças

e o povo saiu à rua

com sete pedras na mão

e uma pedra de lua

no lugar do coração

 

Dizia soldado amigo

meu camarada e irmão

este povo está contigo

nascemos do mesmo chão

trazemos a mesma chama

temos a mesma razão

dormimos na mesma cama

comendo do mesmo pão

Camarada e meu amigo

soldadinho ou capitão

este povo está contigo

a malta dá-te razão

 

Foi esta força sem tiros

de antes quebrar que torcer

esta ausência de suspiros

esta fúria de viver

este mar de vozes livres

sempre a crescer a crescer

que das espingardas fez livros

para aprendermos a ler

que dos canhões fez enxadas

para lavrarmos a terra

e das balas disparadas

apenas o fim da guerra

 

Foi esta força viril

de antes quebrar que torcer

que em vinte e cinco de Abril

fez Portugal renascer

 

E em Lisboa capital

dos nosvos mestres de Aviz

o povo de Portugal

deu o poder a quem quis

 

Mesmo que tenha passado

às vezes por mãos estranhas

o poder que ali foi dado

saiu das nossas entranhas.

Saiu das vinhas sobredos

vales socalcos searas

serras atalhos veredas

lezírias e praias claras

onde um povo se curvava

como um vime de tristeza

sobre um rio onde mirava

a sua prórpia pobreza

 

E se esse poder um dia

o quiser roubar alguém

não fica na burguesia

volta à barriga da mãe.

Volta à barriga da terra

que em boa hora o pariu

agora ninguém mais cerra

as portas que Abril abriu.

 

Essas portas que em Caxias

se escancararam de vez

essas janelas vazias

que se encheram outra vez

e essas celas tão frias

tão cheias de sordidez

que espreitavam como espias

todo o povo português.

 

Agora que já floriu

a esperança na nossa terra

as portas que Abril abriu

nunca mais ninguém as cerra.

 

Contra tudo o que era velho

levantado como um punho

em Maio surgiu vermelho

o cravo de mês de Junho.

 

Quando o povo desfilou

nas ruas em procissão

de novo se processou

a própria revolução.

 

Mas era olhos as balas

abraços punhais e lanças

enamoradas as alas

dos soldados e crianças.

 

E o grito que foi ouvido

tantas vezes repetido

dizia que o povo unido

jamais seria vencido.

 

Contra tudo o que era velho

levantado como um punho

em Maio surgiu vermelho

o cravo do mês de Junho.

 

E então operários mineiros

pescadores e ganhões

marçanos e carpinteiros

empregados dos balcões

mulheres a dias pedreiros

reformados sem pensões

dactilógrafos carteiros

e outras muitas profissões

souberam que o seu dinheiro

era presa dos patrões.

 

A seu lado também estavam

jornalistas que escreviam

actores que desbobravam

cientistas que aprendiam

poetas que estrebuchavam

cantores que não se vendiam

mas enquanto estes lutavam

é certo que não sentiam

a fome com que apertavam

os cintos dos que os ouviam.

 

Porém cantar é ternura

escrever constrói liberdade

e não há coisa mais pura

do que dizer a verdade.

 

E uns e outros irmanados

na mesma luta de ideias

ambos sectores explorados

ficaram partes iguais.

 

Entanto não descansavam

entre pragas e perjúrios

agulhas que se espetavam

silêncios boatos murmúrios

risinhos que se calavam

palácios contra tugúrios

fortunas que levantavam

promessas de maus augúrios

os que em vida se enterravam

por serem falsos e espúrios

maiorais da minoria

que diziam silenciosa

e que em silêncio faziam

a coisa mais horrorosa:

minar como um sinapismo

e com ordenados régios

o alvor do socialismo

e o fim dos privilégios.

 

Foi então se bem vos lembro

que sucedeu a vindima

quando pisámos Setembro

a verdade veio acima.

 

E foi um mosto tão forte

que sabia tanto a Abril

que nem o medo da morte

nos fez voltar ao redil.

 

Ali ficámos de pé

juntos soldados e povo

para mostrarmos como é

que se faz um país novo.

 

Ali dissemos não passa!

E a reacção não passou.

Quem já viveu a desgraça

odeia a quem desgraçou.

 

Foi a força do Outono

mais forte que a Primavera

que trouxe os homens sem dono

de que o povo estava à espera.

 

Foi a força dos mineiros

pescadores e ganhões

operários e carpinteiros

empregados dos balcões

mulheres a dias pedreiros

reformados sem pensões

dactilógrafos carteiros

e outras muitas profissões

que deu o poder cimeiro

a quem não queria patrões.

 

Desde esse dia em que todos

nós repartimos o pão

é que acabaram os bodos

– cumpriu-se a revolução.

 

Porém em quintas vivendas

palácios e palacetes

os generais com prebendas

caciques e cacetetes

os que montavam cavalos

para caçarem veados

os que davam dois estalos

na cara dos empregados

os que tinham bons amigos

no consórcio dos sabrões

e coçavam os umbigos

como quem coça os galões

os generais subalternos

que aceitavam os patrões

os generais inimigos

os genarais garanhões

teciam teias de aranha

e eram mais camaleões

que a lombriga que se amanha

com os próprios cagalhões.

Com generais desta apanha

já não há revoluções.

 

Por isso o onze de Março

foi um baile de Tartufos

uma alternância de terços

entre ricaços e bufos.

 

E tivemos de pagar

com o sangue de um soldado

o preço de já não estar

Portugal suicidado.

 

Fugiram como cobardes

e para terras de Espanha

os que faziam alardes

dos combates em campanha.

 

E aqui ficaram de pé

capitães de pedra e cal

os homens que na Guiné

apenderam Portugal.

 

Os tais homens que sentiram

que um animal racional

opões àqueles que o firam

consciência nacional.

 

Os tais homens que souberam

fazer a revolução

porque na guerra entenderam

o que era a libertação.

 

Os que viram claramente

e com os cinco sentidos

morrer tanta tanta gente

que todos ficaram vivos.

 

Os tais homens feitos de aço

temperado com a tristeza

que envolveram num abraço

toda a história portuguesa.

 

Essa história tão bonita

e depois tão maltratada

por quem herdou a desdita

da história colonizada.

 

Dai ao povo o que é do povo

pois o mar não tem patrões.

– Não havia estado novo

nos poemas de Camões!

 

Havia sim a lonjura

e uma vela desfraldada

para levar a ternura

à distância imaginada.

 

Foi este lado da história

que os capitães descobriram

que ficará na memória

das naus que de Abril partiram

das naves que transportaram

o nosso abraço profundo

aos povos que agora deram

novos países ao mundo.

 

Por saberem como é

ficaram de pedra e cal

capitães que na Guiné

descobriram Portugal.

 

Em em sua pátria fizeram

o que deviam fazer:

ao seu povo devolveram

o que o povo tinha a haver:

Bancos seguros petróleos

que ficarão a render

ao invés dos monopólios

para o trabalhos crescer.

Guindastes portos navios

e outras coisas para erguer

antenas centrais e fios

de um país que vai nascer.

 

Mesmo que seja com frio

é preciso é aquecer

pensar que somos um rio

que vai dar onde quiser

 

pensar que somos um mar

que nunca mais tem fronteiras

e havemos de navegar

de muitíssimas maneiras.

 

No Minho com pés de linho

no Alentejo com pão

no Ribatejo com vinho

na Beira com requeijão

e trocando agora as voltas

ao vira da produção

no Alentejo bolotas

no Algarve maçapão

vindimas no Alto Douro

tomates em Azeitão

azeite da cor do ouro

que é verde ao pédo Fundão

e fica amarelo puro

nos campos do Baleizão.

Quando a terra for do povo

o povo deita-lhe a mão!

 

É isto a reforma agrária

em sua própria expressão:

a maneira mais primária

de que nós temos um quinhão

da semente proletária

da nossa revolução.

 

Quem a fez era soldado

homem novo capitão

mas também tinha a seu lado

muitos homens na prisão.

 

De tudo o que Abril abriu

ainda pouco se disse

um menino que sorriu

uma porta que se abrisse

um fruto que se expandiu

um pão que se repartisse

um capitão que seguiu

o que história lhe predisse

e entre vinhas sobredos

vales socalcos searas

serras atalhos veredas

lezírias e praias claras

um povo que levantava

sobre um rio de pobreza

a bandeira em que ondulava

a sua prórpia grandeza!

De tudo o que Abril abriu

ainda pouco se disse

e só nos faltava agora

que este Abril não se cumprisse.

Só nos faltava que os cães

viesses ferrar o dente

na carne dos capitães

que se arriscaram na frente.

 

Na frente de todos nós

povro soberano e total

e ao mesmo tempo é a voz

e o braço de Portugal.

 

Ouvi banqueiros fascistas

agiotas do lazer

latifundiários machistas

balofos verbos de encher

e outras coisa em istas

que não cabe dizer aqui

que aos capitães progressistas

o povo deu o poder!

E se esse poder um dia

o quiser reoubar alguém

não fica na burguesia

volta à barriga da mãe!

Volta à barriga da terra

que em boa hora o pariu

agora ninguém mais cerra

as portas que Abril abriu!

 

Ary dos Santos (Lisboa, 7/12/1937 – Lisboa, 18/1/1984)

Poeta, declamador, autor de poemas para canções, animador político, profissional de publicidade.

 

Manuel Alegre – Abril de Sim Abril de Não
Abril 25, 2014

Manuel Alegre

Eu vi Abril por fora e Abril por dentro

vi o Abril que foi e Abril de agora

eu vi Abril em festa e Abril lamento

Abril como quem ri como quem chora.

 

Eu vi chorar Abril e Abril partir

vi o Abril de sim e Abril de não

Abril que já não é Abril por vir

e como tudo o mais contradição.

 

Vi o Abril que ganha e Abril que perde

Abril que foi Abril e o que não foi

eu vi Abril de ser e de não ser.

 

Abril de Abril vestido (Abril tão verde)

Abril de Abril despido (Abril que dói)

Abril já feito. E ainda por fazer.

 

Manuel Alegre (Águeda, 12/5/1936)

Poeta, prosador e político português.

Sophia – 25 de Abril
Abril 25, 2014

Sophia

Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo

Sophia de Mello Breyner Andresen (Porto, 6/11/1919 – Lisboa, 2/7/2004)

Poetisa, contista, autora de literatura infantil e tradutora, a 1.ª mulher portuguesa a receber o prémio Camões (1999).

Miguel Torga – “Eleições Sérias”
Abril 25, 2014

Miguel Torga

“Coimbra, 25 de Abril de 1975 – Eleições a sérias, finalmente.

E foi nestes cinquenta anos de exílio na pátria a maior consolação cívica que tive.

Era comovedor ver a convicção, a compostura, o aprumo, a dignidade assumida pela multidão de eleitores a caminhar para as urnas, cada qual compenetrado de ser portador de uma riqueza preciosa e vulnerável: o seu voto, a sua opinião, a sua determinação. Parecia um povo transfigurado (…).

Assim os nossos corifeus saibam tirar do facto as devidas conclusões. Mas duvido.

Nunca aqui os dirigentes respeitaram a vontade popular, mesmo quando aparentam promovê-la.

No fundo, não querem governar uma sociedade de homens livres, mas uma sociedade de cúmplices que não desminta a degradação deles.”

 

TORGA, Miguel, Diário (Volumes IX a XII)

 

Miguel Torga (São Martinho de Anta, Vila Real, 12/8/1907 – Coimbra, 17/1/1995)
Pseudónimo de Adolfo Correia Rocha.
Contista, poeta, romancista, ensaísta, dramaturgo, um dos mais importantes escritores portugueses do século XX,  galardoado com Prémio Camões em 1989, médico.

 

Augusto Abelaira – “Lêem os Romancistas os Seus Romances?”
Abril 25, 2014

Augusto Abelaira

” Até o momento em que mandam para a tipografia as últimas provas, quantas vezes lêem os romancistas os seus romances?

Um número sem conta, decerto.

Mas essas leituras não são verdadeiramente leituras, são ainda uma das múltiplas faces do acto de escrever.

E publicado o livro, o autor enjoa-o, está cansado, é incapaz (tem medo até) de o abrir. (…)”

 

ABELAIRA, Augusto, “Prefácio para Todas as Improváveis Edições Futuras Escrito a Propósito da Segunda Edição de Os Desertores.”

 

Augusto Abelaira (Ança, Cantanhede, 18/3/1926 – 2003)
Romancista, dramaturgo, jornalista, contista, tradutor, professor, licenciado em Ciências Histórico-Filosóficas.

Ruy Belo – Pensar
Abril 25, 2014

Ruy Belo

Pensar é estar alguma coisa a mais

Pensar é o que sobra da respiração

Pensar é o que nos leva às coisas

Pensando se antecipa a própria morte

O receio da morte é a fonte da arte.

 

Ruy Belo (S. João da Ribeira, Rio Maior, 27/2/1933 – Queluz, 8/8/1978)

Poeta, ensaísta, crítico literário, tradutor, professor, leitor de Português, licenciado em Direito e Filologia Românica, doutorado em Direito Canónico.