Archive for Setembro, 2017

Menotti del Piccahia – As Máscaras
Setembro 28, 2017

 

O teu beijo é tão doce, Arlequim…
O teu sonho é tão manso, Pierrô…

Pudesse eu repartir-me
encontrar minha calma
dando a Arlequim meu corpo…
e a Pierrô, minha alma!

Quando tenho Arlequim,
quero Pierrô tristonho,
pois um dá-me prazer,
o outro dá-me o sonho!

Nessa duplicidade o amor todo se encerra:
Um me fala do céu…outro fala da terra!

Eu amo, porque amar é variar
e , em verdade, toda razão do amor
está na variedade…

Penso que morreria o desejo da gente
se Arlequim e Pierrô fossem um ser somente.

Porque a história do amor
só pode se escrever assim:
Um sonho de Pierrô
E um beijo de Arlequim!

 

(Paulo) Menotti dei Piccahia (São Paulo, 20/3/1892 – São Paulo, 23/8/1988)
Poeta, romancista, cronista, ensaísta, jornalista, tabelião, advogado e pintor.

Martim Codax – Bailia ou Bailada
Setembro 28, 2017

 

Eno sagrado, em Vigo,

bailava corpo velido:

Amor ei!

 

Em Vigo, no sagrado,

bailava corpo delgado:

Amor ei!

 

Bailava corpo velido.

que nunca ouver´amigo:

Amor ei!

 

Bailava corpo delgado,

que nunca ouver´ amado:

Amor ei!

 

Que nunca ouver´ amigo.

ergas no sagrado’, em Vigo:

Amor ei!

 

Que nunca ouver´ amado,

ergas em Vigo no saqrado:

Amor ei!

 

Martim Codax (meados do séc. XIII – início de XIV)
Jogral galego.

Antônio Torres – A Estreia na Literatura
Setembro 26, 2017

“Estreei na literatura com uma epígrafe captada do final de Palmeiras selvagens, de William Faulkner: “Entre a dor e o nada, escolho a dor”.

Sim, tenho tentado me plasmar nos dramas humanos que descrevo, que, nos meus romances, levam à loucura, ao suicídio etc.

Doeu descrever, por exemplo, o sentimento de um velho pai, no final de Essa Terra. O encontro do protagonista de O Cachorro e o Lobo com uma tia esmoler.

Viver também não dói?”

 

Antônio Torres (Brasil, Sátiro Dias, 13/9/1940)
Romancista, cronista, autor de literatura infantil e juvenil, foi jornalista e publicitário no seu país e em Portugal.

António Patrício – A Redenção
Setembro 26, 2017

 

A divina emoção que tu me deste,

Já m´a deu uma árvore ao poente…

Não é só teu encanto que te veste:

A seiva e o sangue rezam irmãmente.

 

Às vezes nuvens, mares, areais,

Dão-me mais sonho do que os olhos teus…

É como se eles fossem meus iguais,

Tendo nós todos fé no mesmo Deus…

 

Não será isto o instinto, a profecia,

De que desfeitos e transfigurados

Viveremos num só, numa harmonia?…

 

Sim, deve se: amor, sonho, emoção,

São esforços febris d´encarcerados

Para quem a Unidade é a redenção.

 

António Patrício (Porto, 7/3/1878 – Macau, 4/6/1930)
Poeta, dramaturgo, contista, colaborador em revistas, médico e diplomata.

Literatura Africana de Expressão Portuguesa, Cabo Verde – António Nunes – Terra
Setembro 26, 2017

 

Nha Chica, conte-me
aquela história
de meus irmãos
hoje perdidos
no mundo grande…

Nha Chica, eu sei:
anos de seca,
gentes morrendo,
casas sem telhas,
de porta em porta
olhos crescendo
barriga inchando,
um dia tombam
de olhos vidrados
por qualquer canto…

Lisboa, América,
Dakar ou Rio:
— dentro de nós
surge esta ideia
partir! partir!

Resignados,
os que ficaram
ficam esperando
que as nuvens toldem
que a chuva caia
que o chão fecunde
cobrindo os montes
cobrindo as várzeas…

Ah, anos fartos!
Milho, feijão,
pilão cohindo,
fumo no ar,
riso nos lábios,
grog, cigarros,
batuques, bailes
e casamentos…

Olho estes campos,
olho estes mares,
e sinto a Vida
prendida à terra,
feita de sonhos
que um dia esvaem-se
— mas surgem sempre…

 

António Nunes (Praia, Ilha de Santiago, Cabo Verde, 9/12/1917 – Lisboa, 14/5/1951)
Poeta, integrou o grupo neo-realista.

António Maria Eusébio, O “Calafate” – Cantiga
Setembro 26, 2017

 

MOTE

 

Foi a maçã da ciência

O fruto que Deus proibiu;

Só se pagou com a morte:

Bem cara a todos saiu!

 

GLOSA

 

Adão foi o que se via

Rei, senhor de todo o mundo:

Não tinha rival segundo,

Tinha tudo quanto q’ria.

Até Deus lhe aparecia

Com a sua omnipotência:

No jardim da inocência

Toda a ventura lhe deu;

Somente o que não foi seu

Foi a maçã da ciência.

Sem rival foi Satanás,

P’ra acabar co’a f’licidade,

Por ser da humanidade

Um inimigo sagaz:

Com a astúcia perspicaz

A nossos pais seduziu,

Mas Adão não engoliu,

Ficou-lhe o nó na garganta,

Porque era a maçã santa

O fruto que Deus proibiu.

P’ra o nosso pai desgraçado

Nada mais lhe foi preciso

P’ra sair do Paraíso,

A mil males condenado,

A’ morte sentenciado,

Por esta pena tão forte!

E toda a adversa sorte

Sofre Adão com paciência,

Porque a desobediência

Só se pagou com a morte.

O mundo todo se encheu

De uma glória vã…

Por causa de uma maçã

Que nem toda Adão comeu,

Tudo o que é vivo morreu!

À morte ninguém fugiu!

Se o fruto que Deus proibiu

É ferro que a todos mata…

Sendo a maçã tão barata,

Bem cara a todos saiu!

 

António Maria Eusébio (Setúbal, 15/12/1819 – Setúbal, 22/11/1911)
Poeta popular, calafate de profissão.

António Gil – [Começaste por…]
Setembro 26, 2017

 

começaste por tirar uma moeda de trás da

minha orelha esquerda, extraíste uma rosa do

bolso interior do meu casaco e, finalmente, por

tua ordem, meia dúzia de pombas saíram do

chapéu que me emprestaste…

 

por um truque que não me lembro de ter apren-

dido, extrais agora, sem te dares conta, estas

palavras do meu pulso…

 

In Rio de Doze Águas

 

António Gil (Angola, 1963)
Poeta e prosador, Prémio Revelação de Poesia, 1990

António Damásio – A Memória e a Consciência
Setembro 26, 2017

 

“A memória ajuda-nos a lidar com o agora mas também é necessária para prever o futuro. E não estamos a falar de futurologia.”

“São as duas dádivas combinadas, consciência e memória, que constroem o drama humano. E são a origem do imenso divertimento, da absoluta glória humana.”

In Magazine Notícias, 22/09/2017

 

Nota: Citações da intervenção de António Damásio no evento Alzheimer’s Global Summit Lisbon 2017 realizado de  18-22 de setembro.

 

António Damásio (Lisboa, 25/2/1944)
Escritor, neurologista e investigador, radicado nos EUA desde 1975, considerado um dos mais importantes cientistas do mundo, professor universitário de: Neurociência, Psicologia e Filosofia na Califórnia.

Grupos Naturais – Dar Guinadas / Dar Importância / Dar Largas a / Dar Leis / Dar-lhe nas Ventas (para trás)
Setembro 26, 2017

 

Grupos Naturais – combinação de grupos a dois, associados naturalmente, frequentemente verbo-substantivo, constituindo expressões vulgarizadas pelo uso.

Apresentação de alguns exemplos:

Dar guinadas – baloiçar de um lado para o outro.

Ex.: A ondulação era muita, por isso, o bote da Estrela do Mar dava guinadas.

 

Dar importância – mostrar consideração; preocupar-se com; fazer caso.

Ex.:Estás a dar-lhe muita importância. Cuidado! – alertou a avó.

O agente não deu importância ao incidente.

 

Dar largas a – satisfazer todas as vontades.

Ex.: O avô não tem mão nele; dá largas a tudo o que o quer.

 

Dar leis – mandar; ordenar; ter o poder absoluto.

Ex.: É o mestre quem as leis a bordo.

 

Dar-lhe nas ventas (para trás) – bater no rosto; – para trás: dar açoites; “chegar-lhe”.

Ex.: – Cala-te, fala barato, antes que te dê nas ventas!

– Queres ver que vou dar-lhe nas ventas para trás?

Chega-lhe, mulher! Estás à espera de quê?

(continua)

Albano Estrela – O Acto Pedagógico
Setembro 25, 2017

 

“O acto pedagógico se constrói e reconstrói continuamente (…) da observação do real e da sua problematização para o desenho da intervenção e verificação dos seus efeitos”.

 

Albano Estrela (Porto, 1933)
Novelista, cronista, contista, professor catedrático.